Publicado originalmente em 8 de janeiro de 2025
Em 7 de janeiro, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, deu uma entrevista coletiva, nominalmente sobre política econômica, na qual ameaçou usar força militar para anexar o Canal do Panamá e a Groenlândia. Ele prometeu uma anexação à força do Canadá por meio de pressão econômica e que forçará a Europa a dobrar seus gastos militares para receber “proteção” dos Estados Unidos.
“Vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América”, disse Trump. Quando perguntado se ele consideraria usar “coerção militar” para anexar o Panamá e a Groenlândia, Trump respondeu que sim, acrescentando: “Precisamos deles para a segurança econômica.”
Solicitado por um repórter a explicar suas referências anteriores ao Canadá como o “quinquagésimo primeiro estado”, Trump repetiu suas ameaças de anexação, convocando a “livrar-nos dessa linha artificialmente traçada” entre o Canadá e os EUA.
Trump também se recusou a descartar um ataque em grande escala dos EUA ao Irã e ameaçou com uma guerra por todo o Oriente Médio, a menos que os palestinos desistam de resistir a Israel, dizendo: “vai virar o inferno”.
Durante a eleição, Trump apelou para a oposição popular à guerra na Ucrânia, acusando Biden de iniciar a “Terceira Guerra Mundial” e destacando o enorme declínio nos padrões de vida dos trabalhadores em meio a uma crise de custo de vida em espiral intensificada pelas guerras contra a Rússia e no Oriente Médio.
Agora que está prestes a assumir a presidência, Trump está deixando claro os verdadeiros objetivos de seu governo, que será dedicado à guerra em uma escala sem precedentes. Sua crítica à guerra na Ucrânia tem origem em conflitos táticos entre a classe dominante. Sua ameaça de que o Oriente Médio “vai virar o inferno” deixa claro que Trump fará um governo de escalada diária da crise e guerra global.
Fundamental para a luta do governo Trump pela hegemonia global é o esforço para reorganizar as Américas sob o domínio direto dos EUA, seguindo o modelo da Anschluss (unificação) de Hitler entre a Áustria e a Alemanha em 1938. Trump está buscando reforçar o poderio dos Estados Unidos nos seus arredores, o que é visto como essencial para projetar poder contra o principal rival do imperialismo americano: a China.
O Canadá e a Groenlândia, com seus importantes recursos minerais, depósitos de energia e acesso às vias marítimas do Ártico, são fundamentais para esse esforço, assim como o Canal do Panamá, um ponto de estrangulamento crucial entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
O que Trump está efetivamente declarando é que a em que as operações militares dos EUA supostamente obedeciam a certas restrições legais e mantinham a fachada do “direito internacional” acabou. De agora em diante, é a lei da selva, na qual “os fortes fazem o que querem, e os fracos sofrem o que devem”.
Os comentários de Trump são a sentença de morte de todas as alegações de que a era imperialista teria acabado. O imperialismo, como explicou o revolucionário russo e teórico marxista Vladimir Lenin, constitui o estágio mais elevado do capitalismo. A concentração maciça de riqueza nas mãos de uma minúscula oligarquia financeira e a dominação da vida econômica pelos monopólios são inseparáveis do impulso para a anexação e a dominação colonial.
A segunda presidência de Trump é a consumação de mais de três décadas de guerra imperialista contínua iniciada após a dissolução da União Soviética, com o objetivo de garantir a hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos. George H.W. Bush proclamou a “Nova Ordem Mundial”, na qual não haveria restrições ao domínio imperialista dos EUA pelo mundo.
Nas décadas seguintes, os Estados Unidos invadiram o Iraque duas vezes, dividiram a Iugoslávia em pequenos Estados, invadiram e ocuparam o Afeganistão, desestabilizaram e derrubaram os governos da Líbia e da Síria, provocaram uma guerra com a Rússia por causa da Ucrânia e estão reorganizando o Oriente Médio por meio de guerras e genocídios.
Durante todo esse período, os Estados Unidos revestiram seus objetivos essencialmente predatórios, ora com a linguagem dos “direitos humanos” e da “autodeterminação nacional”, ora, como fez George W. Bush ao lançar a “guerra ao terror”, como uma resposta ao “terrorismo”. Mas Trump está dispensando qualquer pretensão altruísta ou defensiva para as operações do imperialismo americano. Os Estados Unidos têm a maior e mais poderosa força militar e poder econômico substancial, e vão usá-los para extrair o que é essencialmente um imposto imperial de seus “aliados”, juntamente com expansão e anexação territorial.
Os discursos de Trump sobre anexar a Groenlândia, o Panamá e o Canadá e forçar os aliados europeus dos EUA a pagar dinheiro por proteção foram apresentados dentro da estrutura de uma luta global, especialmente contra a China.
Nesse sentido, a coletiva de imprensa de Trump confirmou as palavras de um assessor de Trump, que explicou ao Washington Post a lógica por trás de suas ameaças. O Post escreveu: “Uma missão abrangente de combater a Rússia e a China é o fio condutor que une os comentários de Trump sobre o Canadá, o México, a Groenlândia e o Panamá”.
Ryan Berg, analista do think tank CSIS, disse ao Post: “Há uma preocupação com a influência chinesa no canal e com a confiabilidade das operações dos EUA”, acrescentando: “Pode ser uma das principais rotas para enviar embarcações navais dos EUA do Atlântico para o Pacífico em uma situação de contingência em que tenhamos interesses de segurança nacional – como Taiwan”.
Confirmando essa avaliação, Trump declarou em sua coletiva de imprensa: “A China está administrando o Canal do Panamá”. E acrescentou: “O Canal do Panamá foi construído para nossos militares”.
Da mesma forma, Trump confirmou o relatório publicado no Financial Times em dezembro de que suas ameaças de cortar a ajuda militar à Ucrânia são baseadas em um esforço para que os aliados da OTAN dos Estados Unidos dobrem seus gastos militares.
O FT informou que Trump “exigirá que os países membros da OTAN aumentem os gastos com defesa para 5% do PIB, mas planeja continuar fornecendo ajuda militar à Ucrânia”.
Trump declarou em sua coletiva de imprensa: “A Europa está colocando uma pequena fração do dinheiro que nós colocamos hoje. ... Eu disse: vocês precisam pagar sua conta. ... Acho que a OTAN deveria ter 5%... deveria ter 5% e não 2%. ... Se não pagarmos nossas contas, os Estados Unidos nos protegerão da Rússia? ... se não pagarmos, significa que estamos inadimplentes. ... Se você estiver inadimplente, não o protegeremos.”
Trump apresenta sua política em relação à Europa na forma de um esquema de proteção, no qual a guerra global contra a Rússia e a China é a estrutura para exigir impostos dos “aliados” dos Estados Unidos, que estão sendo tratados cada vez mais como Estados vassalos.
A coletiva de imprensa de Trump confirma a avaliação feita pelo revolucionário russo Leon Trotsky, que declarou em 1928:
No período de crise, a hegemonia dos Estados Unidos operará de forma mais completa, mais aberta e mais implacável do que no período de crescimento. Os Estados Unidos buscarão resolver e se livrar de suas dificuldades e males principalmente às custas da Europa, independentemente de isso ocorrer na Ásia, no Canadá, na América do Sul, na Austrália ou na própria Europa, ou de ocorrer de forma pacífica ou por meio da guerra.
Posteriormente, Trotsky advertiu, em 1934:
O capitalismo dos EUA está enfrentando os mesmos problemas que levaram a Alemanha em 1914 ao caminho da guerra. O mundo está dividido? Ele precisa ser redividido. Para a Alemanha, era uma questão de “organizar a Europa”. Os Estados Unidos precisam “organizar” o mundo. A história está colocando a humanidade frente a frente com a erupção vulcânica do imperialismo americano.
As palavras de Trotsky são ainda mais oportunas agora do que quando foram escritas. A “erupção vulcânica” do imperialismo americano será, ao mesmo tempo, uma erupção da guerra de classes. A classe trabalhadora será obrigada a pagar pela guerra econômica e militar de Trump, e os trabalhadores serão os enviados para lutar e morrer, seja no Panamá, no México, na Ucrânia ou em Taiwan.
É por essa razão que a luta contra a guerra, assim como a luta para defender os direitos democráticos, precisa se basear na luta da classe trabalhadora para defender seus interesses sociais e econômicos com base em um programa socialista.