Na manhã de 12 de agosto, nove trabalhadores foram mortos por uma explosão na Enaex Brasil, em Quatro Barras, na região metropolitana de Curitiba. As vítimas trabalhavam como operadoras de produção na empresa, que é líder na fabricação de explosivos para mineração e construção civil. Os trabalhadores eram em sua maioria jovens, muitos com filhos pequenos.
A explosão aconteceu quando esses trabalhadores se preparavam para começar a jornada, pouco antes das 6 horas da manhã. Eles estavam em uma das 25 unidades da planta, um imóvel pequeno com menos de 30 metros quadrados, onde se embalava pentolite, uma substância de alto poder destrutivo. Os corpos dos trabalhadores foram fragmentados. A estrutura ruiu completamente e, no local, abriu-se uma cratera. A explosão destruiu outras estruturas na planta e foi sentida a quase 20 quilômetros de distância. Além do barulho e do tremor, danificou casas e empresas nos arredores.
A produção está suspensa desde o acidente. Equipes de perícia ainda tentam identificar vestígios de como a explosão começou.
O Exército, que regulamenta e fiscaliza a fabricação de explosivos, informou que a empresa estava regular, com as visitas técnicas em dia. A prefeitura de Quatro Barras também confirmou que a empresa possui todas as licenças necessárias.
O Ministério Público do Paraná (MPPR) enviou uma recomendação administrativa à Enaex Brasil e ao município de Quatro Barras. Pediu à prefeitura que divulgue um plano de comunicação de risco à população, com rotas de fuga e pontos de apoio caso outra explosão aconteça; e solicitou uma avaliação sobre a influência das condições climáticas nas atividades industriais. À empresa, o MPPR solicitou a suspensão imediata de qualquer manipulação de explosivos, até liberação expressa dos órgãos competentes, sob pena de interdição judicial.
Com 1.300 trabalhadores e um número não divulgado de terceirizados, a Enaex Brasil é uma das empresas que mais empregam na pequena cidade industrial de Quatro Barras. Apesar das consequências gravíssimas da explosão, chama atenção a ausência e a imobilidade absoluta dos sindicatos.
O StiqFepar, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado do Paraná, sequer prestou solidariedade às vítimas, limitando-se a reproduzir o posicionamento da empresa.
A maior central sindical do país, ligada ao PT (Partido dos Trabalhadores), apenas divulgou uma nota por meio de sua filial no Paraná, estado onde o caso aconteceu. A nota defendeu “uma investigação séria e célere que esclareça as circunstâncias do acidente” e afirmou que “Não podemos – e não vamos – normalizar situações que coloquem em risco a vida e a saúde de trabalhadoras e trabalhadores.”
O histórico sangrento da Enaex
A Enaex é uma transnacional com base no Chile e integra o conglomerado Sigdo Koppers, já denunciado por manter condições de trabalho subumanas. Apresentada em seu site como “a maior empresa de fragmentação de rochas da América Latina e a terceira maior do mundo na produção de nitrato de amônio de grau explosivo”, a Enaex Brasil afirma ter como propósito “humanizar a mineração”, mas esconde um histórico marcado por mortes e destruição. Alguns episódios mais graves foram reportados pela imprensa da América Latina:
- 2000 (Brasil): três trabalhadores morreram e outros quatro ficaram feridos após uma explosão na então Britanite Indústrias Químicas (antigo nome da atual Enaex Brasil).
- 2004 (Brasil): uma nova explosão na mesma planta matou carbonizado os funcionários José Leandro Brazau, de 25 anos, e Pedro Prestes de Oliveira, de 43; um terceiro trabalhador sofreu amputações nas mãos.
- 2020 (Chile): quatro mortos em Santiago; uma investigação apontou que a empresa não possuía licença adequada para o funcionamento.
- 2021 (Chile): dois trabalhadores feridos em explosão na planta de Calama.
- 2022 (Argentina): três trabalhadores mortos em explosão na planta de Olavarría, Buenos Aires.
Os chamados “acidentes” têm se repetido ao longo dos anos e se revelam, na verdade, como um padrão da produção da Enaex. O caráter tão destrutivo desses supostos acidentes leva, quase sempre, a resultados inconclusivos das investigações. E assim a empresa se livra de qualquer acusação séria.
O Brasil como um dos países mais perigosos para se trabalhar
Os dados sobre o trabalho no Brasil mostram que a tragédia na Enaex é parte de um massacre sistemático dos trabalhadores.
Dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho mostram um aumento progressivo dos acidentes de trabalho considerados graves. Em 2019, haviam sido notificados 102.105 acidentes de trabalho graves. Cinco anos depois, esse número quase quintuplicou, com o registro de 494.422 acidentes graves em 2024.
O próprio Observatório destaca em seu relatório que os registros “representam apenas os casos de acidentes de trabalho que foram oficialmente notificados ao Ministério da Saúde. Ou seja, refletem apenas os casos que o poder público conseguiu identificar. Esse número, no entanto, é sempre inferior ao total real de casos, pois muitos não chegam a ser notificados.”
Uma estatística assustadora, que continua a crescer. No primeiro semestre deste ano, 1.689 trabalhadores já morreram por acidentes de trabalho, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o que representa um aumento de 5,63% em relação ao mesmo período de 2024.
Com esses dados, o Brasil deve manter sua posição deplorável no ranking mundial de acidentes de trabalho, atrás apenas de China e Estados Unidos.
O caso Bridgestone e a máquina de matar sem freios
Em um caso mais recente, no dia 19 de agosto, o operário Daniel Silva Saraiva, de 37 anos, foi morto na Bridgestone de Santo André, cidade da tradicional região industrial do ABC, na grande São Paulo. Ele fazia manutenção em uma máquina quando foi morto.
Logo depois do ocorrido, o Sindicato dos Trabalhadores na Borracha (Sintrabor) fez uma assembleia em frente à empresa.
“Quando o diretor do sindicato chegou na área, a empresa já tinha uma equipe de limpeza pra limpar a área, e isso não pode ser feito.”, relatou o presidente do Sintrabor, Márcio Ferreira.
Mas essa ação absurda da Bridgestone – uma transnacional japonesa que está entre as maiores fabricantes de pneus do mundo –, que deveria ser investigada como tentativa de fraude, por alteração na cena de um possível crime, foi acobertada pelo próprio presidente do sindicato logo em seguida: “Eu quero acreditar que foi um erro, não má-fé”, disse.
Uma página de notícias da região reportou ter recebido áudios de funcionários da fábrica “alegando que a máquina que estava usando já estava com problema no corte e enroscava há muito tempo, equipes já tinham sido avisadas sobre o caso e nada foi feito” e que “Daniel perdeu a vida quando desenrolava a máquina de corte, quando a lâmina acidentalmente caiu sobre a sua cabeça, funcionários disseram que foi desesperador”. Ainda segundo a página, os áudios também diziam “que o sindicato não aparece lá pra nada e agora deu as caras na empresa”.
Um dos áudios divulgados diz: “Todo mundo está sabendo que a faca não corta. Eu reclamei com todo mundo. Eu avisei: a faca está ruim. E eu aposto que agora vão arrumar. Esse que é o problema. O moleque perdeu a vida pra ter que arrumar (...)”.
Durante um cortejo em homenagem a Daniel, um ex-funcionário gravou um vídeo e fez mais denúncias:
É difícil ver aqui uma mãe chorando, esposa chorando, dois filhinhos chorando, família chorando. E isso faz me lembrar quando muitas vezes eu chegava em casa sangrando, por ter me acidentado nessa mesma empresa, sem poder registrar na CAT, porque senão era demitido. (...) Eu resistia, porque [tinha] PLR alta, família pra cuidar. Mas hoje, todo arrebentado como eu estou, eu vejo que não valeu a pena. (...) O regramento principal continua sendo o mesmo: produção em massa e uma vida que se foi. Um guerreiro que se foi ganhando seu pão de cada dia. Mas, quando vai se ver de fato, com certeza houve negligência da empresa, que não oferece condições humanas para trabalho.
No mesmo vídeo, ele repetiu algumas vezes a frase: “Vidas humanas importam”. E afirmou a necessidade de políticas para “proteger o trabalhador de verdade.”
Na publicação do vídeo, são vários os comentários de trabalhadores, ex-trabalhadores da Bridgestone e familiares. Num deles, é possível ler:
Isso aconteceu comigo e acontece com muitos outros amigos de trabalho, levo dessa empresa 6 parafusos na coluna e ficará eternamente comigo enquanto eu viver. Depois que retornei pra empresa, me atiraram 2 anos e depois fui demitido. Agora, uma pergunta que não se faz: onde esse pai de família conseguirá outro trabalho? Somos tratados como lixos quando não estamos 100%. E assim somos trocados... Deus conforte o coração dessa família e todos os amigos.
A morte de Daniel está desencadeando uma revolta contida há muito tempo, não só contra a Bridgestone, mas também contra o sindicato, que é dirigido pela Força Sindical. Em vez de atuar como um freio à exploração mortal na Bridgestone, o sindicato tem sido um freio à organização e luta dos trabalhadores. Foi nessa mesma fábrica que, em 2020, os trabalhadores fizeram uma greve selvagem desafiando a política de morte do sindicato em meio a um surto de COVID-19.
Uma questão comum aos trabalhadores do mundo todo
O caso de Daniel Silva Saraiva da Bridgestone é semelhante ao caso de Ronald Adams, operário americano da Stellantis, que tem sido exaustivamente reportado pelo WSWS. Assim como a explosão na Enaex Brasil se assemelha à explosão ocorrida um dia antes nos Estados Unidos, na usina da U.S. Steel, que matou dois trabalhadores e feriu outros dez.
As semelhanças não são uma coincidência. A generalização dos chamados “acidentes de trabalho” é inerente ao modo de produção capitalista e já prevista no cálculo de custos das empresas. Como resumiu o comentário de uma trabalhadora sobre o caso da Bridgestone: “Pra ela [Bridgestone] é mais barato pagar uma indenização do que reestruturar toda a linha de montagem.”
Em meados do século XIX, Friedrich Engels concluiu, em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, que o capitalismo mata não apenas pelas armas, mas também pela miséria e pelas condições de trabalho, no que definiu como “assassinato social”.
Marx complementa essa análise ao mostrar que o capital, em sua busca incessante por valorização, reduz a força de trabalho a mera mercadoria. Contraditoriamente, uma mercadoria como nenhuma outra, a única capaz de criar valor (mais-valia), mas que é facilmente substituída graças a um exército industrial de reserva, os desempregados.
Com o desenvolvimento do capitalismo, o assassinato social não desapareceu, mas se aprofundou nas cadeias globais de produção. E, apesar das propagandas corporativas, é impossível “humanizar” a exploração do trabalho sob o capitalismo, um sistema em que a busca pelo lucro se sobrepõe à vida da classe trabalhadora.
A única forma de pôr fim à barbárie nos locais de trabalho é através da formação de comitês de base de segurança, filiados à Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB), que levem adiante um programa para reorganizar a produção em uma base socialista.
Como o WSWS declarou em um dos artigos sobre a explosão na U.S. Steel: “A onda interminável de massacres industriais e o sacrifício de vidas em nome do lucro precisam acabar. ‘A vida dos trabalhadores importa!’ deve se tornar um princípio norteador para a ação.”