Português
Perspectivas

Os interesses corporativo-financeiros por trás das ordens executivas de Trump para enviar a Guarda Nacional às cidades dos EUA

Publicado originalmente em inglês em 27 de agosto de 2025)

Em 1907, o grande escritor socialista Jack London escreveu um romance intitulado A Bota de Ferro, que retratava a criação de uma ditadura implacável por uma oligarquia capitalista determinada a esmagar a classe trabalhadora. London escreveu:

A Oligarquia queria violência, e colocou seus agentes‑provocadores para trabalhar. … Onze mil homens, mulheres e crianças foram mortos nas ruas de Sacramento ou assassinados em suas casas. [Capítulo 16]

Quase 120 anos depois, a classe trabalhadora e a juventude em todo os Estados Unidos estão confrontando o crescente espectro de uma Bota de Ferro.

O presidente Donald Trump conversa com policiais e soldados da Guarda Nacional, em 21 de agosto de 2025, em Washington. [AP Photo/Jacquelyn Martin]

O governo Trump está intensificando implacavelmente sua tentativa de estabelecer uma ditadura presidencial. Negar isso após as últimas duas semanas, durante as quais Trump tomou ações sem precedentes na história dos EUA, é cegueira, autoengano ou pura colaboração. O presidente transformou Washington D.C. em um quartel-policial militar e está estendendo esse modelo para todo o país.

Na segunda-feira, Trump emitiu uma ordem executiva intitulada “Medidas Adicionais para Abordar a Emergência do Crime no Distrito de Colúmbia”, baseando-se na sua fraudulenta declaração de “emergência do crime” de 11 de agosto e tomando novas medidas em direção à ditadura. A ordem autoriza um portal online para recrutar ex-policiais, ex-soldados e milicianos para serem enviados a Washington e “outras cidades onde a segurança pública e a ordem foram perdidas”. Em termos claros, Trump está criando uma força paramilitar operando fora das estruturas tradicionais, sob seu comando pessoal, com licença para usar força letal.

A ordem também instrui o Secretário de Defesa a “criar imediatamente e começar a treinar, equipar e contratar uma unidade especializada dentro da Guarda Nacional do Distrito de Colúmbia” e garantir que a Guarda Nacional de cada estado esteja “equipada, treinada, organizada e disponível” para mobilização rápida a nível nacional. Na prática, isso estabelece uma força militar-policial permanente à disposição do presidente, pronta para ser desencadeada contra protestos, greves e a oposição política em qualquer lugar do país.

Os supostos motivos dados para essas ações – que as cidades estão tomadas pelo crime, seguindo os argumentos de uma “invasão” pelos Estados Unidos de imigrantes – são mentiras óbvias. Essas ações também não podem ser simplesmente atribuídas ao narcisismo egocêntrico de Trump ou à sua admiração de longa data por Hitler. Trump está agindo em nome de uma oligarquia financeira que está rompendo com as formas constitucionais de governo.

Quais razões políticas poderiam levar o governo e a classe dominante a sentirem que é necessário despachar soldados nas cidades americanas para conter “agitações civis”? A pergunta deve ser respondida não com base nas personalidades envolvidas, mas nas questões de classe fundamentais que estão na raiz do colapso da democracia americana.

Em termos puramente financeiros, o capitalismo americano está enfrentando uma situação que é economicamente insustentável. A dívida nacional é de US$37 trilhões e está projetada para superar US$40 trilhões com a extensão das reduções de impostos de Trump para corporações e os super-ricos. Os EUA já enfrentam déficits anuais de US$1,5–$2 trilhões.

Os pagamentos de juros sobre essa montanha de dívidas estão projetados para se tornar o maior gasto federal dentro da próxima década, superando até mesmo o gigantesco orçamento militar. Esse crescimento inexorável do serviço da dívida reflete não apenas décadas de cortes de impostos para os ricos, mas também os imensos recursos desviados para resgates e guerras imperialistas.

Os programas obrigatórios representam quase dois terços do orçamento: Previdência Social cerca de 20%, Medicare mais 15%, e Medicaid e programas relacionados outros 14%. O gasto “discricionário” – que é todo gasto fora desses programas – representa menos de um terço, com gastos militares sozinhos consumindo 13% e todos os outros programas apenas 14%.

Na visão da classe dominante, o gasto militar não pode e não será reduzido – de fato, aumentará à medida que Washington intensifica suas confrontações globais em todo o mundo. Tampouco a aristocracia financeira aceitará qualquer incursão sobre sua riqueza, com a “grande e bela lei” de Trump entregando trilhões a mais para corporações e super-ricos. Eliminar todo o gasto discricionário não relacionado à defesa, que o governo de Trump está ativamente implementando, ainda não resolverá o déficit orçamentário.

O que resta, portanto, é um grande ataque aos programas sociais centrais – Previdência Social, Medicare e Medicaid – que fornecem renda básica, cuidados de saúde e dignidade para centenas de milhões de pessoas. Embora Trump tenha repetidamente prometido nunca tocar na Previdência Social, essa afirmação é ainda menos crível do que suas outras mentiras. O Secretário do Tesouro Scott Bessent, um bilionário de Wall Street, se vangloriou no mês passado de que as disposições no projeto de orçamento de Trump forneceriam “uma porta dos fundos para a privatização da Previdência Social”.

O impacto de tais cortes na ampla massa da população será devastador. A Previdência Social é a principal fonte de renda para dezenas de milhões de aposentados e pessoas com deficiência; uma redução de 25–30% eliminará de US$6.000 a US$7.000 por ano do aposentado médio e empurrará milhões para a pobreza. Cortes no Medicare e Medicaid significariam contas médicas exorbitantes para idosos e pessoas com deficiência, e o fechamento de lares de idosos e programas de atendimento domiciliar dos quais milhões dependem. Programas como o Medicaid e de apoio à renda, como o SNAP, SSI e créditos fiscais para crianças, que sustentam famílias e crianças da classe trabalhadora, já estão sendo dilapidados.

O programa de Trump fala por uma classe dominante determinada a reverter todo o curso da história americana moderna, rasgando todos os avanços sociais conquistados por meio da luta desde a Guerra Civil. Não é coincidência que Trump esteja tentando reviver a glorificação de heróis confederados.

Trabalhadores federais estão sendo purgados por dezenas de milhares. A educação pública e a saúde pública enfrentam cortes sem precedentes. O que ainda resta das reformas do New Deal e da Grande Sociedade deve ser desmontado. O objetivo é nada menos do que a liquidação de todas as limitações conquistadas da classe capitalista no século XX.

O governo está se preparando com antecedência para a inevitável erupção de uma oposição massiva a esses ataques. A classe dominante está convencida de que a destruição de empregos, aposentadorias, cuidados de saúde e padrões básicos de vida provocará levantes, especialmente nas cidades. Durante anos, o Estado tem se preocupado com o perigo de agitação urbana, e as ordens executivas de Trump foram projetadas para garantir que tal resistência seja enfrentada com força militar e repressão.

Essa dinâmica de classe básica também explica o papel do Partido Democrata. Embora possa haver desacordos sobre os métodos de Trump, ambos os partidos da grande empresa aceitam que mudanças drásticas na política social devem ser impostas às custas da classe trabalhadora. As diferenças são táticas. Na questão central – quem pagará pelo aprofundamento da crise do capitalismo americano – não há desacordo.

A cobertura da imprensa trata as ordens executivas de Trump como pouco mais do que suas últimas excentricidades. Os líderes democratas concentram suas críticas no procedimento, como se a destruição do regime constitucional fosse uma questão da personalidade de Trump. Nenhum líder democrata afirmou abertamente que o presidente está estabelecendo uma ditadura ou explicou as forças de classe que impulsionam suas ações. Na realidade, os democratas temem, acima de tudo, que as medidas ousadas de Trump provoquem um movimento incontrolável de baixo.

Essa realidade sublinha o papel decisivo da classe trabalhadora na crise política em desenvolvimento. Trabalhadores que imaginam que os ataques violentos de Trump a imigrantes ou sua cruzada fraudulenta contra o “crime” não têm nada a ver com eles estão gravemente enganados. A imposição de um regime autoritário se estenderá a todos os aspectos da vida social.

A classe trabalhadora – seus empregos, padrões de vida, benefícios sociais e direitos democráticos – é o principal alvo da pressão da classe dominante em favor de austeridade, guerra imperialista e ditadura. Greves serão proibidas e qualquer forma de resistência aos ditames da oligarquia será criminalizada.

A tarefa mais urgente diante de trabalhadores, juventude e todas as seções progressistas da sociedade é confrontar a realidade política e desenvolver uma estratégia para defender os direitos democráticos. Como o WSWS escreveu em 20 de agosto:

Na ausência de oposição dentro da estrutura política existente, o centro de resistência a Trump deve se transferir para a classe trabalhadora. As questões políticas básicas que devem ser respondidas são: O que deve ser feito pela classe trabalhadora, com o apoio de estudantes e todas as forças progressistas dentro da sociedade, para parar o estabelecimento de uma ditadura nos Estados Unidos? Quais são as novas formas de ação em massa organizada, incluindo uma greve geral, necessárias para defender os direitos democráticos da classe trabalhadora? Quais mudanças na estrutura econômica e social do país são necessárias para romper o poder da oligarquia financeira-corporativa?

Ao confrontar a rebelião da escravocracia em 1861, Lincoln foi levado à conclusão de que os princípios democráticos proclamados pela Declaração de Independência poderiam ser preservados apenas por meio de uma revolução que destruísse a base econômica da Confederação, a escravidão. Exatamente 160 anos após a conclusão da Guerra Civil, a ameaça de uma ditadura militar-policial fascista impõe a necessidade de eliminar a base econômica do poder oligárquico, o capitalismo, e sua substituição pelo poder operário e pelo socialismo.

O Partido Socialista pela Igualdade (SEP) exorta todos os que concordam com essa análise a se juntar a ele e a lutar contra a ditadura e pela construção do socialismo.

Loading