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Julgamento do golpe de Bolsonaro é retomado sob ataques intensificados de Trump e fascistas brasileiros

Na terça-feira foi retomado o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos sete membros do “núcleo crucial” da conspiração golpista de 8 de janeiro de 2023.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, durante a sessão de terça-feira, 9 de setembro de 2025, do julgamento de Bolsonaro. [Gustavo Moreno/STF]

Esta semana ocorre a fase decisiva do processo, na qual os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apresentam seus votos e uma esperada sentença contra os acusados, com sessão final programada para sexta-feira.

A semana começou com os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votando a favor da condenação do ex-presidente e seus sete aliados principais. Eles são: o ex-ministro da Casa Civil, General Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier Santos; ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres; e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Coronel Mauro Cid.

Moraes apresentou seu voto em um discurso de cinco horas praticamente ininterrupto, no qual narrou a “sequência de atos executórios” da tentativa de golpe, promovidos entre julho de 2021 e 8 de janeiro de 2023.

As ações destacadas por Moraes incluem:

  • Utilização dos órgãos de Estado e de manifestações oficiais para “deslegitimar as eleições, para deslegitimar o poder Judiciário e se perpetuar no poder”.
  • Utilização da Polícia Rodoviária Federal, durante o segundo turno das eleições de 2022, para impedir o acesso de eleitores a locais de votação.
  • Utilização das Forças Armadas e seu relatório de audição das urnas eletrônicas para desacreditar maliciosamente o processo eleitoral.
  • Uma longa sequência de ações violentas e de terror promovidas após o segundo turno das eleições.
  • O plano “Punhal Verde Amarelo” para assassinar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do próprio Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
  • A elaboração da chamada “Minuta do Golpe” e sua apresentação aos comandantes das Forças Armadas visando a instaurar um Estado de exceção e transferir o poder a um “Gabinete de Crise” sob comando dos réus.
  • A insurreição de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Analisando as implicações dessa tentativa avançada de golpe de Estado, Moraes concluiu: “O Brasil quase voltou a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro não sabe perder eleições”.

O fato de que, quarenta anos após o fim do regime militar de 1964-85, o Brasil esteve mais uma vez diante da ameaça iminente de uma ditadura emerge de forma incontestável da exposição da conspiração golpista liderada pelo ex-presidente e um setor do alto-escalão militar. Mas a ideia de que a fonte dessa ameaça se resume a “um grupo político” que “não sabe perder eleições” – a tese que sustenta o caso do STF como um todo – é absurda.

A ameaça de um golpe fascista no Brasil é produto das imensas contradições históricas não resolvidas em um dos países mais socialmente desiguais do mundo; não menos, de sua profunda interação com a crise internacional em aceleração.

A realidade – de que a crise política que culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 não foi e nem será resolvida com a conclusão do julgamento – é demonstrada pela situação explosiva em que esse processo se desenrola.

As forças fascistas que impulsionaram o 8 de janeiro de 2023 estão empenhadas em uma contraofensiva para implodir o julgamento em curso e dar continuidade aos objetivos políticos da tentativa de golpe. Ao mesmo tempo, sob a liderança de Donald Trump, o imperialismo americano intensifica sua intervenção política agressiva contra o Brasil.

Nos últimos meses, Trump impôs tarifas de 50% contra o Brasil com a justificativa explícita de forçar o país a abandonar o processo contra Bolsonaro. Nesta terça-feira, o governo dos EUA redobrou sua intimidação criminosa às instituições brasileiras.

Questionada sobre novas medidas do governo americano contra o Brasil, a secretária da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou na manhã de terça-feira: “Eu não tenho nenhuma ação adicional para antecipar para vocês hoje, mas posso dizer que isso é uma prioridade para a administração e o presidente não tem medo de usar o poder econômico, o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”.

Leavitt também referiu-se à suposta “censura” sofrida pelo próprio Trump, por ter tido suas contas nas redes sociais após a tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio de Washington. Essa menção é extremamente significativa: o presidente fascista americano, com razão, se vê refletido no julgamento de Bolsonaro, cuja tentativa de golpe foi diretamente inspirada no projeto ditatorial de Trump.

A ameaça de utilizar o “poder militar” americano contra o Brasil, o maior país da América Latina e aliado histórico dos EUA, é absolutamente imprudente e inédita. Mas ela deve ser tomada com total seriedade. Ela surge no contexto do envio de uma armada naval americana para cercar a Venezuela, que marca uma escalada militar sem precedentes recentes contra a América Latina. Na semana passada, as Forças Armadas americanas explodiram uma embarcação civil no sul do Caribe em violação aberta da lei internacional e legislação doméstica dos EUA.

Encorajados pelo apoio da potência imperialista que promoveu o golpe militar de 1964, os aliados fascistas de Bolsonaro no Brasil estão mobilizando amplos setores do establishment político burguês apodrecido, incluindo os governadores dos principais estados brasileiros e a maioria do Congresso.

As comemorações do Dia da Independência no último domingo, que no passado serviram de plataforma para Bolsonaro promover sua tentativa de golpe, foram utilizadas como ponta de lança para um ataque ao julgamento no STF. Sob o lema “Reaja, Brasil”, os atos fascistas defenderam a anistia aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023.

Manifestação em São Paulo no dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, exigindo anistia para Bolsonaro e outros golpistas. [Photo: Paulo Pinto/Agência Brasi]

No principal ato, em São Paulo, os manifestantes vestidos de verde e amarelo exibiram uma bandeira gigante dos Estados Unidos e seguravam cartazes em inglês clamando por uma intervenção de Trump contra o STF. Com Bolsonaro sob prisão domiciliar, o palanque foi ocupado pela ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que reproduziu uma gravação em que o marido entoa seu slogan de inspiração fascista, “Deus, Pátria e Liberdade”.

O ato na Avenida Paulista também teve presença do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Partido Novo), e do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (Partido Liberal).

Tarcísio, que está se lançando como alternativa da extrema-direita nas eleições presidenciais de 2026, assumiu abertamente sua identidade com o legado fascista de Bolsonaro e fez um discurso inflamatório contra o STF. O governador paulista declarou que “Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes” e afirmou que não vai aceitar “que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer”.

Recentemente, Tarcísio declarou que, se eleito presidente em 2026, seu “primeiro ato” será conceder indulto presidencial a Bolsonaro pelos crimes que lhe forem imputados.

No Rio de Janeiro, a manifestação fascista do 7 de Setembro teve a presença do filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro e do governador do RJ, Cláudio Castro, ambos do PL. Também esteve presente o deputado Alexandre Ramagem, um dos oito integrantes do “núcleo crucial” do golpe sendo julgado esta semana.

Enquanto as manifestações de domingo deram face pública a esse movimento, uma articulação frenética para aprovar uma emenda de “anistia” ocorre no Congresso. Na sexta-feira, na véspera dos atos, a imprensa divulgou um texto do projeto circulado pelos aliados de Bolsonaro entre os parlamentares.

O conteúdo da proposta é avassalador. “Fica concedida anistia a todos aqueles que... [desde] março de 2019..., tenham sido ou estejam sendo ou, ainda, eventualmente, possam vir a ser investigados, processados ou condenados” por crimes contra a democracia e a soberania nacional, diz o texto. A medida prevê o arquivamento de todos os processos e investigações em curso e o cancelamento das penas aplicadas. Também acarreta a suspensão de inelegibilidades impostas pela Justiça Eleitoral, como a imposta a Bolsonaro.

O projeto dos fascistas no parlamento acaba de ganhar adesão de dois partidos da suposta direita “moderada”, o Partido Progressista (PP) e o União Brasil, que integravam a base do governo Lula. Na terça-feira passada, quando tinha início o julgamento no STF, eles anunciaram sua saída dos ministérios que ocupavam no governo do PT e seu apoio à campanha pela anistia dos golpistas.

As diferentes frentes dessa contraofensiva fascista estão voltadas para retomar os planos de golpe do ponto em que foram deixados em 8 de janeiro de 2023.

Essa lógica foi abertamente anunciada por Flávio Bolsonaro em uma entrevista em junho. Afirmando que a “anistia é a saída honrosa para todo mundo”, ele ameaçou uma “reação do povo” e “internacional” que “não estão no nosso controle” se seu pai for condenado.

Levantando um cenário em que a condenação ocorra e Bolsonaro receba indulto do presidente eleito em 2026 – exatamente o que Tarcísio Freitas promete fazer – Flávio assumiu que a medida será contestada pelo STF. “É uma hipótese muito ruim, porque a gente está falando de possibilidade e de uso da força”, ele concluiu.

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