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Perspectivas

O significado histórico e internacional da condenação de Bolsonaro e militares por golpe no Brasil

Na quinta-feira, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pela tentativa de golpe fascista que culminou na insurreição de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Manifestação de 7 de Setembro em São Paulo, pedindo a condenação de Bolsonaro e se opondo à intervenção dos EUA. [Photo: Paulo Pinto/Agência Brasil]

A condenação pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada e danos ao patrimônio público recebeu o voto favorável de quatro dos cinco juízes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além do ex-presidente, foram condenados pelos mesmos crimes os sete integrantes do “núcleo crucial” da conspiração golpista. O General Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice-presidente de Bolsonaro em 2022, foi condenado a 26 anos de prisão; o Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, a 24 anos de prisão; Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, a 24 anos de prisão; o General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a 21 anos de prisão; o General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, a 19 anos de prisão; Alexandre Ramagem Rodrigues, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a 16 anos de prisão; e o Tenente-Coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teve pena reduzida a 2 anos de prisão por acordo de delação premiada.

O julgamento do STF baseou-se na compreensão de que os réus conformaram uma “organização criminosa” sob a liderança de Bolsonaro. Entre junho de 2021 e 8 de janeiro de 2023, ela praticou vários “atos executórios” destinados, primeiro, a atentar contra o Estado democrático de direito e, em seguida, promover um golpe de Estado. 

Embora os dois momentos da conspiração golpista estejam indissociados, ao defender sua separação dos crimes, os juízes argumentaram que, no primeiro, “é o próprio governo constituído, o executivo constituído que pretende diminuir ou acabar com o sistema de pesos e contrapesos”. No segundo, “o sujeito passivo é o executivo”.

O relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, sustentou seu voto introduzindo o que dividiu como os 13 “atos sequenciais” da conspiração golpista. Ele declarou:

O primeiro ponto é exatamente a utilização de órgãos públicos pela organização criminosa para o monitoramento de adversários políticos e para estruturação e execução da estratégia. E nesse momento, em junho de 2021, os primeiros atos executórios foram praticados para atentar contra o poder judiciário e principalmente contra a justiça eleitoral, desacreditando-a, já para deslegitimar um eventual resultado negativo nas eleições de 2022, desacreditando a própria democracia. 

Na sequência temos os atos executórios já públicos, com graves ameaças à justiça eleitoral, que derivam de toda a preparação e utilização dos órgãos públicos. ... [Na sequência,] o emprego de grave ameaça de restringir o exercício do poder judiciário no famoso 7 de setembro de 2021. ... 

Temos a utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições e a utilização indevida da estrutura das Forças Armadas em relação ao relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do Ministério da Defesa.

As atividades dessa conspiração golpista assumiram um ritmo frenético e caráter cada vez mais violento com a aproximação da derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições, em outubro de 2022. 

Entre as ações enumeradas por Moraes, estão: 

os atos violentíssimos no dia da diplomação do presidente e vice-presidente eleitos, em 12 de dezembro de 2022, com tentativa inclusive de invasão na Polícia Federal; ... a colocação de uma bomba que acabou não explodindo, graças a Deus, no aeroporto [de Brasília], em 24 de dezembro de 2022.

Os últimos “atos sequenciais” apresentados pelo ministro do STF são os mais críticos:

  • O Plano “Punhal Verde e Amarelo” para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TST). O planejamento detalhado dessas execuções “foi impresso na sede do governo brasileiro, no mesmo momento em que lá se encontrava – e a Polícia Federal comprova – também o presidente Jair Messias Bolsonaro”, afirmou Moraes.
  • A tentativa de execução do assassinato de Moraes por militares das Forças Especiais do Exército em 6 de dezembro de 2022, na operação batizada de “Copa 2022”.
  • A elaboração da chamada “Minuta do Golpe”, que previa a instauração de um estado de exceção para impedir a transferência do poder ao novo governo eleito, e sua discussão com os comandantes das três Forças Armadas. 
  • A conformação de um “gabinete de crise” sob o comando do Gen. Heleno e do Gen. Braga Netto, para o qual o poder seria transferido após a efetivação de uma intervenção militar.
  • O ataque às sedes dos três poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023, que, nas palavras do relator, “não foi combustão espontânea, [mas] a conclusão de um procedimento de tomada e manutenção de poder a qualquer custo”.

A condenação do ex-presidente e membros do alto-escalão militar, incluindo três generais de quatro estrelas e um almirante de esquadra, é um acontecimento histórico no Brasil. Num país que foi passou duas décadas sob uma brutal ditadura militar, de 1964 a 1985, é a primeira vez que generais se sentaram no banco dos réus e que crimes contra a democracia foram punidos.

Mas este não é um acontecimento de dimensão meramente nacional. A ofensiva fascista no Brasil está profundamente ligada a processos políticos similares em desenvolvimento em todas as partes do mundo – da América Latina à Europa, mas, acima de tudo, nos Estados Unidos da América.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 em Brasília foi uma continuação direta e inseparável da tentativa de golpe liderada por Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 no Capitólio de Washington.

Apesar de não mencionada pelo STF, há uma correlação inegável entre o início da conspiração sistemática do golpe de Estado por Bolsonaro e seus aliados, ao menos desde junho de 2021, e os acontecimentos políticos explosivos que se antecederam nos Estados Unidos.

A insurreição fascista de Trump no Capitólio de Washington, definida pelo World Socialist Web Site (WSWS) como um evento divisor de águas na política internacional, serviu como modelo político e como apito para que Bolsonaro e seus aliados colocassem em marcha um projeto de poder totalitário.

Em 10 de janeiro de 2021, em um artigo intitulado “Bolsonaro apoia golpe de Trump, ameaça fazer o mesmo nas eleições de 2022 no Brasil”, o WSWS escreveu: “[Bolsonaro] já anunciou sua intenção de usar as mesmas mentiras sobre fraudes eleitorais no Brasil para mobilizar seus apoiadores em uma tentativa de permanecer no poder, quaisquer que sejam os resultados das eleições presidenciais de 2022”.

Reportando a presença de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, em Washington durante os eventos de 6 de janeiro de 2021, o WSWS concluiu categoricamente: “Eduardo não foi aos Estados Unidos a passeio. Ele foi convocado efetivamente como um observador internacional do golpe de Trump em nome dos fascistas brasileiros”. 

A profunda correlação entre os processos políticos que se desenvolveram nos Estados Unidos e no Brasil expõe também a hipocrisia do discurso oficial triunfalista sobre a condenação de Bolsonaro sendo promovido pelo PT e na mídia.

O julgamento no STF foi encerrado com um discurso do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, afirmando: “Acredito que nós estejamos encerrando os ciclos do atraso na história brasileira, marcados pelo golpismo e pela quebra da legalidade constitucional”.

Esse otimismo desmorona em face da contraofensiva já em andamento para derrubar a decisão da Corte.  Uma campanha por “anistia ampla” aos condenados por ataques à democracia desde 2019 ganhou apoio da maioria do Congresso dominado pela direita. Em 7 de setembro, manifestações em apoio a Bolsonaro sob a bandeira “Reaja, Brasil!” contaram com a presença dos governadores dos três estados mais poderosos do país.

Os defensores dessa campanha foram imensamente encorajados pelo voto dissidente do ministro Luiz Fux, que não apenas recusou-se a condenar Bolsonaro mas defendeu a anulação de todo o processo alegando “absoluta incompetência” do STF para julgar o caso.

A condenação de Bolsonaro transformou-se, na realidade, em um cavalo de batalha para as novas investidas contra a democracia brasileira pelas mesmas forças que promoveram o 8 de Janeiro de 2023. 

A intervenção criminosa do imperialismo americano, no contexto de sua escalada violenta contra toda a América Latina, não é um fator menor no impulsionamento desse processo.

Após impor tarifas de 50%, abertamente apresentadas como um meio de forçar a supressão do processo contra Bolsonaro, o governo Trump está redobrando os ataques contra o Brasil após a conclusão do julgamento.

Na quarta-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, declarou que a intervenção política contra o Brasil “é uma prioridade para o governo e que o presidente não tem medo de usar o poder econômico e militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão pelo mundo”.

No dia seguinte, o secretário de Estado, Marco Rubio, respondeu à condenação de Bolsonaro declarando no X que “Os Estados Unidos responderão à altura a essa caça às bruxas”.

Eduardo Bolsonaro, que se mudou definitivamente para os EUA no início do ano, respondeu ainda mais agressivamente. Saudando a declaração de Leavitt como uma demonstração “muito feliz” da “disposição do governo Trump em defender as pautas da liberdade”, ele defendeu abertamente uma intervenção militar do imperialismo americano contra o Brasil. “Eu acho que vale a pena pela pauta da liberdade. Você aceitaria ser escravo para evitar uma guerra? Eu quero a guerra”, ele afirmou. 

“Se o regime brasileiro for consolidado e tiver uma evolução igual à da Venezuela... pode perfeitamente, no futuro, ser necessária a vinda de caças F-35 e de navios de guerra”, Eduardo afirmou, fazendo referência à escalada criminosa das agressões imperialistas de Washington no sul do Caribe.

Mais profundamente, os acontecimentos no decorrer dos dois anos que separam a insurreição fascista em Washington de sua reencenação em Brasília demonstram de maneira cabal que o colapso da democracia burguesa mundial é um processo profundamente interconectado. O avanço célere do projeto ditatorial de Trump explicita, além do mais, que esse processo apenas se agudizou. 

“A tensão excessivamente alta dos conflitos internacionais e da luta de classes resultam no curto-circuito da ditadura, explodindo os fusíveis da democracia um após o outro”, escreveu Leon Trotsky em 1929. Ele continua: “O que é chamado de crise do parlamentarismo é a expressão política da crise de todo o sistema da sociedade burguesa. A democracia permanece ou cai junto com o capitalismo”. 

A classe trabalhadora no Brasil, nos Estados Unidos e pelo planeta só pode combater o fascismo travando uma luta revolucionária conjunta contra o capitalismo e pelo socialismo internacional.

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