O Comitê Norueguês do Nobel concedeu seu Prêmio da Paz de 2025 à líder da oposição de extrema direita da Venezuela, María Corina Machado, um evento tão significativo quanto sinistro.
O prêmio foi anunciado em 9 de outubro em Oslo, Noruega, um país cuja riqueza, papel estratégico na OTAN e grandes investimentos militares o posicionam como um baluarte dos interesses imperialistas na Europa e além.
O prêmio é uma demonstração flagrante da hipocrisia da opinião pública capitalista, que se mobiliza em apoio a mais uma intervenção imperialista catastrófica na América Latina.
Não há nada de inédito em conceder o prêmio da paz a figuras de extrema direita ou manchadas de sangue. Se “a sátira política se tornou obsoleta quando Henry Kissinger recebeu o Prêmio Nobel da Paz”, como brincou o compositor, humorista e matemático americano Tom Lehrer em 1973, o prêmio concedido a Machado é mais um prego no caixão dessa arte.
Nos anos seguintes, o prêmio foi concedido a assassinos em massa e criminosos de guerra, como o primeiro-ministro israelense Menachem Begin, ex-terrorista do Irgun responsável pelos massacres de Sabra e Shatila no Líbano, e Aung San Suu Kyi, cujo governo foi responsável pela violência genocida contra a minoria rohingya de Mianmar. Barack Obama recebeu o prêmio em 2009, na véspera do lançamento de uma grande ofensiva militar no Afeganistão e enquanto seu governo desencadeava uma onda de assassinatos com drones. Naquela época, assim como agora, o prêmio não serviu como uma recompensa aos pacificadores, mas como uma ferramenta para ungir aqueles favorecidos pelo imperialismo e legitimar a guerra.
Os lacaios fascistas de Donald Trump reagiram com raiva mesquinha ao fato de o comitê norueguês ter ignorado o presidente dos EUA. A Casa Branca emitiu uma declaração inicial acusando o comitê de “provar que coloca a política acima da paz” ao ignorar Trump, a quem eles atribuíram “o coração de um humanitário”.
Com seu histórico de armar, financiar e apoiar politicamente o genocídio em Gaza e bombardear instalações nucleares iranianas, sem mencionar o assassinato de civis desarmados em pequenos barcos no sul do Caribe, Trump era um pouco demais até mesmo para o comitê do Nobel engolir. Mas, se não puderam dar o prêmio ao fascista na Casa Branca, eles escolheram um de seus melhores assistentes na pessoa de Machado.
Mais tarde na sexta-feira, aparentemente resignado com a decisão, o aspirante a ditador dos Estados Unidos retuitou a declaração de Corina Machado em resposta ao prêmio: “Estamos no limiar da vitória e hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente Trump...”.
O Comitê Norueguês do Nobel descreveu Machado como “uma defensora corajosa e comprometida da paz... uma mulher que mantém acesa a chama da democracia em meio a uma escuridão crescente”. Não é de surpreender que o detector de IA ZeroGPT conclua que essa baboseira e grande parte do restante da declaração foram copiados e colados do ChatGPT.
A defensora das “eleições livres e justas” tem sido uma ferramenta das operações de mudança de regime dos EUA há quase um quarto de século. Em abril de 2002, ela correu para o palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, para se juntar à tentativa dos militares e das grandes empresas de derrubar o presidente popularmente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, assinando o infame Decreto Carmona em apoio ao golpe.
Pouco depois, Machado lançou sua ONG Súmate para organizar esforços violentos de desestabilização apoiados pelos EUA e financiados pela Fundação Nacional para a Democracia (NED), uma agência criada para realizar operações políticas anteriormente executadas pela CIA.
Esta heroína da luta pela “transição pacífica para a democracia” saúda abertamente a agressão militar dos EUA e colabora diretamente com Washington nos planos de repressão pós-mudança de regime de todos aqueles que se opõem à intervenção de Washington.
Como o New York Times reconheceu na semana passada, “O grupo que apoia o uso da força é liderado por Maria Corina Machado”. O Times acrescenta: “Um dos assessores da Sra. Machado, Pedro Urruchurtu, disse que ela estava coordenando com o governo Trump e tinha um plano para as primeiras 100 horas após a queda do Sr. Maduro. Esse plano envolve a participação de aliados internacionais, disse ele, ‘especialmente os Estados Unidos’”. Pode-se ter certeza de que essas 100 horas seriam tão sangrentas quanto as que se seguiram aos golpes no Chile em 1973 e na Argentina em 1976.
No mínimo, o prêmio concedido a Machado é um endosso por parte de setores poderosos da elite dominante europeia a uma guerra de mudança de regime, com todo o seu potencial para abrir uma nova frente na emergente terceira guerra mundial. O contestado “presidente dos ricos” da França, Emmanuel Macron, como representante do establishment transatlântico, declarou Machado uma “lutadora pela libertação”. Que farsa!
Em sua declaração, o Comitê Nobel lamenta uma tendência global que tem visto o “estado de direito ser abusado por aqueles que estão no poder, a mídia livre ser silenciada, críticos serem presos e sociedades serem empurradas para um regime autoritário e militarizado”. Mas, de alguma forma, ele se esquece de mencionar que o principal exemplo dessa tendência é o financiador e controlador de Machado, o governo Trump.
Recentemente, Machado foi à Fox News para apoiar o atual aumento do contingente militar dos EUA no Caribe e os massacres extrajudiciais de pescadores acusados, sem provas, de trabalhar para cartéis supostamente ligados a Maduro.
“Quero expressar nossa gratidão ao presidente Trump e ao seu governo por enfrentarem a tragédia que a Venezuela está passando”, disse ela. “Maduro transformou a Venezuela na maior ameaça à segurança nacional dos EUA e à estabilidade da região.”
O Pentágono já afundou pelo menos cinco pequenas embarcações, matando pelo menos 21 civis no sul do Caribe, enquanto acumulava uma frota naval significativa, numerosos aviões de guerra e 4.500 marinheiros e soldados ao largo da costa da Venezuela. Esses são os primeiros ataques militares reconhecidos dos EUA na América Latina e o maior envio de tropas para a região desde a invasão do Panamá em 1989, que deixou centenas, senão milhares, de civis mortos para capturar o ex-aliado dos EUA e ditador Manuel Noriega, também sob o pretexto de acusações relacionadas a drogas.
Na semana passada, a Casa Branca enviou um memorando ao Congresso anunciando um “conflito armado não internacional” contra uma lista secreta de supostos cartéis de drogas, o que equivalia a uma declaração ilegal de guerra contra o povo de todo o hemisfério, principalmente a classe trabalhadora do país.
Além de seu apoio à intervenção imperialista, a adoção da linhagem política fascista de Machado — como as aclamações estrondosas dadas ao presidente fascista argentino Javier Milei — significa um endosso das camadas “respeitáveis” da oligarquia mundial ao retorno, na América Latina, do regime de terror criado sob as ditaduras apoiadas pelos EUA que tomaram o poder em toda a região na segunda metade do século XX.
Ao lado de figuras como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o argentino Milei, Machado é participante do Foro de Madrid, lançado pelo partido fascista espanhol VOX, que, junto com o AfD na Alemanha, ela considera um dos seus aliados mais próximos.
Defensora das políticas de “mercado livre”, sobretudo da privatização da empresa estatal de petróleo PDVSA, cuja propriedade pública tem sido defendida por um amplo espectro de partidos burgueses desde a década de 1970, Machado endossou o programa econômico de “terapia de choque” de Milei, no qual “liberdade” significa a permissão para que as corporações eliminem os gastos sociais e explorem a classe trabalhadora sem quaisquer restrições ou regulamentações.
Descendente de uma dinastia oligárquica venezuelana, sua política de extrema direita sempre foi animada pelo ódio à classe trabalhadora e a qualquer desafio à desigualdade social. Com base nisso, ela apoiou sanções severas dos EUA que, em 2020, estimava-se terem causado cerca de 100 mil mortes em excesso, além de forçar milhões a fugir do país. Da mesma forma, ela permaneceu em silêncio sobre as políticas punitivas anti-imigrantes adotadas pelo governo Trump contra centenas de milhares de venezuelanos que buscaram refúgio nos EUA.
Machado tem apelado repetidamente às forças armadas venezuelanas como árbitro político supremo do país, deixando claro que qualquer regime que ela venha a liderar assumirá a forma de uma ditadura militar desde o primeiro dia, comprometida em esmagar a oposição às suas políticas econômicas e sociais amplamente impopulares.
A questão mais aguda levantada pelo Prêmio Nobel da Paz concedido a Machado é qual força social e sob qual programa a ameaça do fascismo e da guerra pode ser detida.
Os governos nacionalistas burgueses liderados por Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela realizaram nacionalizações e programas de assistência social limitadas, ao mesmo tempo que buscavam melhores condições com o imperialismo americano.
No entanto, com a ajuda de seus seguidores stalinistas, social-democratas e pablistas, esses governos alimentaram ilusões de que ganhos sociais e democráticos sustentáveis poderiam ser garantidos para os trabalhadores e camponeses pobres e que a opressão imperialista poderia ser combatida com base em um programa nacionalista, sem derrubar o capitalismo.
Como no Chile, onde o golpe de Pinochet em 1973 derrubou o presidente nacionalista de esquerda Salvador Allende, e em vários outros países, tais ilusões só serviram para desarmar os trabalhadores política e fisicamente diante da virada das elites dominantes para a ditadura fascista.
É necessário cortar a propaganda mentirosa da “democracia” e dos “direitos humanos” e revelar a realidade cruel da política burguesa. A classe trabalhadora deve rejeitar com desprezo o uso cínico do Prêmio Nobel para santificar a reação imperialista. Somente a unidade dos trabalhadores da Venezuela, com os do resto da América Latina, dos Estados Unidos e internacionalmente – armados com uma perspectiva socialista e revolucionária – pode deter a marcha para a guerra mundial e a ditadura fascista e abrir o caminho para a paz genuína, a democracia e a igualdade social.
A consagração de Machado pelo imperialismo é, acima de tudo, um alerta: a classe dominante está se preparando para novos crimes em escala mundial. A resposta deve ser a mobilização independente da classe trabalhadora internacional, consciente de sua força e de suas tarefas históricas.