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As questões políticas e de classe na vitória de Mamdani em Nova York

Publicado originalmente em inglês em 7 de novembro de 2025

A vitória do membro dos Socialistas Democráticos da América (DSA, na sigla em inglês) Zohran Mamdani nas eleições para prefeito de Nova York — um autoproclamado “socialista democrático” vencendo na cidade de Wall Street, o centro do capital financeiro americano e global — é um evento de importância nacional e, de fato, internacional.

Zohran Mamdani discursando após a vitória na eleição para prefeito de Nova York em 4 de novembro de 2025. [AP Photo/Yuki Iwamura]

Essa eleição explode a narrativa de que qualquer alternativa ao capitalismo está fora dos limites para uma população submetida a décadas de anticomunismo e antisocialismo. Na realidade, o movimento de amplos setores dos trabalhadores e da juventude é para a esquerda, com crescente hostilidade ao capitalismo e crescente apoio ao socialismo. O voto em Mamdani expressa não apenas a desilusão com o establishment político existente, mas também a indignação com a vasta concentração de riqueza nas mãos de uma pequena elite, o custo de vida esmagador e a decadência dos direitos democráticos e sociais básicos.

Mais de 1 milhão de pessoas votaram em Mamdani, em meio à maior participação eleitoral em décadas. Mais de 2 milhões de votos foram computados, o dobro do total de quatro anos atrás e o maior número desde 1969. Mamdani, que tinha apenas 1% das intenções de voto quando começou sua campanha nas primárias, obteve uma clara maioria na disputa tripartidária, derrotando seu rival mais próximo, o ex-governador democrata Andrew Cuomo, por 9 pontos percentuais.

Mamdani conquistou a maioria das áreas da classe trabalhadora nos cinco distritos da cidade de Nova York, vencendo por margens esmagadoras nos distritos mais afetados pela desigualdade e pelo aumento do custo de vida. Ele derrotou Cuomo por 45 pontos percentuais no Harlem, 28 pontos na Jamaica, Queens; 28 pontos em Nova York Oriental, no Brooklyn; e 27 pontos em Parkchester, no Bronx — alguns dos bairros mais pobres e racialmente diversificados da cidade.

Setenta por cento dos eleitores com menos de 45 anos o apoiaram, em comparação com apenas 25% para Cuomo, de acordo com a pesquisa de boca de urna da CNN. Ele venceu de forma esmagadora entre aqueles que descreveram a situação financeira de suas famílias como “em declínio” e entre aqueles que se opõem fortemente a Trump e sua agenda fascista. 

A eleição de Mandani representou uma clara rejeição ao establishment político — tanto aos republicanos de extrema direita quanto à máquina do Partido Democrata — que apoiou Cuomo e investiu mais de US$ 50 milhões em dinheiro sujo em sua campanha. O foco da campanha de Mamdani no aumento do custo de vida, incluindo aluguel, creche e mantimentos, repercutiu amplamente entre a classe trabalhadora, assim como suas denúncias retóricas aos oligarcas que dominam a vida política e econômica e estão se unindo à ditadura em desenvolvimento de Trump.

Sem dúvida, a eleição de Mamdani gerou entusiasmo, não apenas nos Estados Unidos, mas internacionalmente. O contraste entre Andrew Cuomo — o descendente da elite do Partido Democrata, mergulhado em corrupção — e Mamdani, que se apresenta como um defensor dos oprimidos, alimentará a esperança de que uma mudança fundamental está em andamento. No entanto, é necessário afirmar certas verdades básicas, não se adaptando a ilusões e partindo da lógica da realidade política e social.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que, embora se apresente como um “socialista democrático”, Mamdani não está promovendo um programa socialista. Suas propostas — pequenos aumentos de impostos para milionários, proteções limitadas ao aluguel e modestas expansões dos serviços públicos — equivalem a pouco mais do que um leve renascimento do reformismo liberal de um período anterior.

No entanto, mesmo as propostas mais modestas enfrentarão a resistência feroz de Wall Street, da oligarquia financeira corporativa e do aparato estatal que defende seus interesses, seja na forma de ações judiciais, provocações políticas ou ações mais diretas. A aristocracia financeira não está disposta a ceder em nada. Ela resistirá, com todos os meios à sua disposição, até mesmo à menor invasão de sua riqueza e poder. 

O governo Trump, atuando como representante político da oligarquia financeira, já respondeu à vitória de Mamdani intensificando suas ameaças e sinalizando disposição para intervir diretamente na cidade de Nova York. Em entrevista à Fox News após o apelo de Mamdani em seu discurso de vitória para “aumentar o volume” contra Trump, o presidente advertiu: “É uma declaração muito perigosa para ele fazer. Você fala sobre perigo — acho que é uma declaração muito perigosa para ele fazer. Ele tem que ter um pouco de respeito por Washington”.

O conselheiro fascista de Trump, Steve Bannon, também disse ao Politico que a eleição de Mamdani “deveria ser um alerta”, acrescentando que “deveria haver luzes vermelhas piscando por toda parte”. Bannon declarou: “Essas são pessoas muito sérias e precisam ser tratadas com seriedade”, antes de exigir que Mamdani, um cidadão americano nascido em Uganda, fosse deportado.

O Partido Socialista pela Igualdade se oporá a esses e a todos os outros ataques, incluindo o provável envio da Guarda Nacional ou de outras forças militares para a cidade de Nova York. No entanto, não subordinaremos nossa política a Mamdani e ao Partido Democrata.

O Partido Democrata, do qual Mamdani é membro, é totalmente contra qualquer contestação à riqueza e ao domínio da elite financeira. Os principais democratas estão divididos entre uma ala disposta a trabalhar com Mamdani, reconhecendo a necessidade do partido de um candidato que possa atrair um amplo eleitorado, e uma ala que teme que cultivar sentimentos antissistema possa rapidamente sair do seu controle. 

Muitos líderes democratas, incluindo o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, recusaram-se a apoiar Mamdani mesmo após sua vitória nas primárias. O porta-voz na mídia do Partido Democrata, o New York Times, publicou um longo editorial na quarta-feira estabelecendo parâmetros para o novo prefeito. Os editores exigiram efetivamente que Mamdani abandonasse suas promessas de campanha e governasse seguindo as características do bilionário ex-prefeito Michael Bloomberg, a quem o próprio Mamdani tentou cortejar sem sucesso.

O editorial enfatizou a necessidade de Mamdani montar um gabinete aceitável para Wall Street e para o setor imobiliário, uma diretriz que ele rapidamente abraçou. Na quarta-feira, ele anunciou uma equipe de transição composta por democratas veteranos dos governos dos últimos três prefeitos: Michael Bloomberg, Bill de Blasio e Eric Adams.

A resposta de Mamdani às ameaças vindas de dentro da classe dominante expressa a política dos Socialistas Democráticos da América. Toda a sua perspectiva se baseia na afirmação de que é possível conciliar interesses de classe completamente opostos — que uma mudança social genuína pode ser alcançada através da colaboração entre os exploradores e os explorados, e que isso pode ser realizado sob a égide do Partido Democrata. Trata-se de uma ilusão sem qualquer base na realidade política ou social.

Em sua coletiva de imprensa na quarta-feira, Mamdani enfatizou repetidamente sua disposição de “trabalhar com” Trump e Wall Street. Ele declarou que, embora se opusesse a Trump politicamente, estava “interessado em conversar com o presidente Trump sobre as maneiras pelas quais poderíamos trabalhar juntos para servir aos nova-iorquinos”, acrescentando que estava “pronto e disposto a falar com qualquer pessoa” se isso beneficiasse a cidade.

Mamdani também anunciou que estava ansioso para se encontrar com o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, e “qualquer pessoa preocupada com o futuro da nossa cidade”, elogiando Dimon e outros bilionários que “investiram na vitalidade” de Nova York. Essas não são palavras de um socialista, mas de um político garantindo à elite financeira que sua riqueza, poder e privilégios permanecerão intocáveis.

Como observou o World Socialist Web Site na época das primárias de junho, “as muralhas de Wall Street não ruirão sob a pressão da retórica eleitoral”. A resposta dos mercados à eleição de Mamdani ressaltou esse ponto. Longe de mostrar preocupação, a oligarquia financeira recebeu o resultado com serenidade. Os principais índices de Wall Street subiram na quarta-feira. 

Em seu discurso de vitória, Mamdani invocou o nome do grande socialista americano Eugene V. Debs. No entanto, ele omitiu a conclusão essencial de Debs: “A classe trabalhadora nunca será emancipada pela graça da classe capitalista, mas apenas pela derrubada dessa classe”.

A experiência da última década está repleta de exemplos de partidos e indivíduos cujas pretensões de representar uma ruptura radical com o establishment político naufragaram diante das realidades do domínio capitalista. Na Grécia, a Coalizão da Esquerda Radical (Syriza) chegou ao poder em 2015 prometendo acabar com a austeridade, mas acabou impondo os cortes sociais mais brutais sob as ordens dos bancos e da União Europeia. Na Alemanha, o Die Linke (Partido A Esquerda) participou de governos estaduais que deportam refugiados e impõem austeridade. No Reino Unido, o movimento de Corbyn dentro do Partido Trabalhista capitulou ao establishment de direita, abrindo caminho para o retorno da reação aberta.

Em termos de classe, essas tendências expressam não os interesses da classe trabalhadora, mas os da classe média alta — uma camada social privilegiada que busca não uma reestruturação fundamental da sociedade, mas uma posição mais confortável para si mesma.

Não há dúvida de que muitos trabalhadores, tendo votado em um socialista, verão a eleição de Mamdani como um sinal para agir e avançar com suas próprias reivindicações. Mas o que Mamdani fará quando os trabalhadores entrarem em luta? Inevitavelmente, a lógica dos interesses de classe se imporá. Mamdani se curvará às exigências do establishment financeiro e político. Independentemente do que ele afirme, o objetivo final de sua campanha é antecipar e conter o crescente movimento da classe trabalhadora.

O caminho a seguir para os trabalhadores em Nova York e em todo o país não consiste em pressionar o Partido Democrata ou depositar esperanças no governo de Mamdani, mas na mobilização independente da classe trabalhadora em luta.

O Partido Socialista pela Igualdade faz um chamado para a construção de comitês de base em todos os locais de trabalho, bairros e escolas, conectados através da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB). Esses comitês devem servir como meio para os trabalhadores se organizarem, coordenarem e intensificarem suas lutas — não para implorar por reformas da ordem existente, mas para articular e lutar por seu próprio programa: a defesa dos empregos, salários e padrões de vida; oposição à guerra e à ditadura; e a luta pelo poder dos trabalhadores e pela transformação socialista da sociedade.

Nada pode ser alcançado sem um ataque direto à riqueza da classe dominante. As fortunas dos bilionários – baseadas no controle que exercem sobre os bancos, as corporações e os monopólios imobiliários – devem ser expropriadas e seus monopólios transformados em serviços públicos sob o controle democrático dos trabalhadores. 

A questão crítica é a direção e a perspectiva. Convocamos todos aqueles que estão tirando conclusões revolucionárias desses eventos a se filiarem ao Partido Socialista pela Igualdade e ajudarem a construir a direção necessária para transformar a crescente raiva social em uma luta consciente pelo socialismo.