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Direita brasileira explora morte de Charlie Kirk para lançar ofensiva aos direitos democráticos

A morte do fascista americano Charlie Kirk está sendo instrumentalizada pelo governo Donald Trump para abolir as liberdades políticas e alavancar o estabelecimento de uma ditadura nos EUA. Essa campanha foi imediatamente disseminada pelo Brasil.

Faixa sobre rodovia na região do Amazonas, Brasil. [Photo: Social media/Sérgio Kruke]

Sob inspiração e assessoria direta do governo americano, a classe dominante está utilizando o frenesi em torno do assassinato de Kirk para impulsionar a perseguição em massa ao pensamento democrático e de esquerda na sociedade brasileira. 

Embora iniciada pelos aliados fascistas do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos de prisão na semana passada por tentativa de golpe de Estado, a campanha foi abraçada por todo o establishment político e empresarial.

Nesta terça-feira, a Câmara dos Deputados do Congresso brasileiro fez um minuto de silêncio em homenagem ao fascista americano assassinado. O tributo infame foi sugestão do deputado Nikolas Ferreira, do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, que está capitaneando a purga fascista no país.

Em 12 de setembro, dois dias após a morte de Kirk, Ferreira anunciou no X: “O movimento começou: demita os verdadeiros extremistas de sua empresa”. “Nós vamos atrás de você”, escreveu em outro post. 

Em uma publicação em inglês, o deputado bolsonarista disse: “Comecei um movimento aqui no Brasil pedindo que as empresas demitam funcionários que estejam comemorando, apoiando ou incentivando a morte de adversários políticos – especialmente aqueles que são servidores públicos. ... Façam o mesmo nos EUA”.

Desde então, Ferreira vem supervisionando pessoalmente uma caça a comentários nas redes sociais que serviram de pretexto a dezenas de demissões e cancelamentos de contratos e participações em eventos.

O preparador físico, Luís Otávio Kalil, foi demitido da Arena RM, espaço esportivo em Belo Horizonte, Minas Gerais, após ter um comentário denunciado por Ferreira. “Esse fascistinha só pregava ódio, racismo, preconceito, apoiava o genocídio em Gaza. Menos um genocida fascista, já vai é tarde”, disse Kalil em referência a Kirk.

A empresa publicou uma carta aberta declarando que, “Diante da gravidade do ocorrido, comunicamos que o profissional em questão foi desligado de forma definitiva”, ao que Ferreira respondeu: “Parabéns, Arena RM. Espetacular posicionamento”.

A Prefeitura de São Paulo demitiu Pedro Guida, que trabalhava na gestão de elenco do Theatro Municipal de São Paulo – uma das mais tradicionais instituições culturais públicas do país –, por ter chamado Kirk de “neonazista” em uma postagem pessoal, também denunciada por Ferreira.

Como está ocorrendo nos Estados Unidos, a caça-às-bruxas sendo movida pelos fascistas também atingiu comunicadores e figuras públicas no Brasil. 

O caso mais proeminente foi o cancelamento do historiador e jornalista Eduardo Bueno. Bueno é autor de uma série de livros populares de divulgação da história do Brasil e dono do canal Buenas Ideias, com 1,5 milhão de seguidores no YouTube. Ele teve contratos e eventos cancelados e foi efetivamente banido da vida pública após ironizar a morte de Kirk no Instagram. 

Com um sarcasmo que lhe é característico, Bueno afirmou que é “terrível um ativista ser morto por ideias, exceto quando é Charlie Kirk”. O vídeo foi excluído pelo Instagram, no que o historiador caracterizou como censura. 

Após a repercussão do vídeo, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) anunciou o cancelamento do evento “Brasil: Pecado Capital” com Bueno, afirmando que sua “postura não condiz” com os “valores institucionais” da universidade, entre as mais tradicionais do país.

Bueno foi subsequentemente afastado do Conselho Editorial do Senado, do qual era membro. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), declarou na quarta-feira: “Eu quero pedir desculpa ao Brasil, porque, no dia e na hora em que esse vídeo chegou ao meu conhecimento, era para eu ter demitido esse rapaz”.

Seu afastamento ocorreu após o historiador ter se explicado num vídeo subsequente intitulado “Uma retratação e seus poréns”, no qual declarou: “Eu não festejei o assassinato dele e nem louvei o assassino. O que eu quis dizer, e digo de novo porque acredito nisso e repito: o mundo fica melhor sem determinadas pessoas. E o mundo, na minha opinião, ficou melhor sem a presença desse cara”.

Um caso semelhante ocorreu com a estilista sênior, Zazá Percego, demitida da Vogue Brasil após o deputado Nikolas Ferreira cobrar a revista, afirmando que seus funcionários “comemoram o assassinato de inocentes simplesmente por expressar suas ideias livremente, como Charlie Kirk”.  

Percego, que compartilhou uma imagem no Instagram com a frase “I love when fascists die in agony”, ousou se levantar em defesa própria. Ela explicou que a postagem era parte de “uma sequência de stories... sobre a condenação de Jair Messias Bolsonaro” e “nada mais era do que uma metáfora do que o ex-presidente representa”, e concluiu: “Não me arrependo da minha posição política e repudio qualquer forma de manifestação violenta que silencie debates democráticos”.

A jornalista vitimada também denunciou ter sofrido uma série de ataques e ameaças violentas após o episódio: “Sofri centenas de ataques racistas, ameaças de violência sexual, tive meus dados e de minha família vazados e precisei buscar um local provisório de segurança”.

A instauração desse tipo de terror contra os trabalhadores, intelectuais e a população em geral é o objetivo fundamental da campanha fascista promovida por Trump e seus capatazes brasileiros.

A campanha iniciada por Ferreira foi efusivamente celebrada em círculos neonazistas na internet, reportou a Folha de São Paulo. “Um dos anônimos mais ativos publicou uma foto do ditador chileno Augusto Pinochet com a legenda ‘cadê a extrema direita dessa porra?’, incitando seguidores a se assumirem abertamente extremistas”, escreveu o jornal.

A detestável figura política de Nikolas Ferreira tem semelhanças notáveis com a do próprio Kirk. A descrição da página da Wikipedia sobre o deputado de 29 anos fala por si: 

Formado em direito pela PUC-Minas e identificado com a direita conservadora, adquiriu notoriedade nacional graças às polêmicas em que se envolveu, incluindo a defesa de ideias negacionistas, a resistência às medidas contra a pandemia de COVID-19, os discursos transfóbicos e discriminatórios, além da propagação de notícias falsas, como o vídeo de desinformação que enfraqueceu a fiscalização do Pix e favoreceu a atuação do crime organizado, de acordo com investigações. Também apoiou e incentivou as manifestações golpistas e os ataques às sedes dos Três Poderes em 2023, posições pelas quais é frequentemente apontado como integrante da extrema-direita brasileira.

É também um fato notável que Kirk e Bolsonaro estabeleceram relações diretas. O primeiro evento público em que o ex-presidente brasileiro participou após a tentativa de golpe do 8 de janeiro foi organizado pela Turning Point USA de Kirk na Florida, onde Bolsonaro permaneceu por três meses após sair do poder. Ele também foi entrevistado no The Charlie Kirk Show.

A campanha de terror político sob o pretexto da morte de Kirk no Brasil é parte integrante de uma contraofensiva das forças fascistas na sequência da condenação de Bolsonaro e dos chefes militares da conspiração golpista.

O Congresso brasileiro esteve empenhado ao longo desta semana – entre uma e outra manifestação de horror a supostos “discursos de ódio” contra Kirk – na aprovação dos projetos de lei da “Anistia” e da “Blindagem” exigidos pela extrema-direita. O primeiro visa reverter as condenações e investigações contra os participante do golpe de 8 de Janeiro; o segundo, a proibir a instauração de processos criminais contra parlamentares e líderes partidários.

Esta semana, a oposição fascista também nomeou Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, como líder da minoria na Câmara dos Deputados. Ele mudou-se definitivamente para os Estados Unidos no início do ano, de onde coordena suas atividades políticas diretamente com representantes do governo Trump.

Em entrevista recente, Eduardo Bolsonaro defendeu a intervenção do imperialismo americano contra o Brasil, inclusive através de uma invasão militar, saudando a “disposição do governo Trump em defender as pautas da liberdade”.

A defesa da “liberdade de expressão”, supostamente atacada com julgamento de Bolsonaro por tentar um golpe de Estado, foi a justificativa adotada pelo governo Trump para impor uma série crescente de ataques contra o Brasil. 

Bueno, historiador já citado neste artigo, chamou atenção a essa monstruosa hipocrisia: “Mas onde está a liberdade de expressão tão defendida pela extrema direita? Estou sendo censurado! Espero que os EUA invadam logo o Brasil para me defender!”. 

A coordenação entre a ofensiva fascista no Brasil e o governo Trump é também escancarada na campanha em torno de Kirk. 

O vice-secretário do Departamento de Estado dos EUA, Christopher Landau, participou diretamente da perseguição aos brasileiros na internet. Um neurocirurgião brasileiro, que zombou da morte de Kirk, foi demitido em Recife após Landau denunciar seu comentário publicamente, exigir retratações das sociedades médicas brasileiras e anunciar que “pessoalmente ordenou” a revogação de seu visto americano, “caso tivesse um”.

O mesmo Landau está a frente das declarações mais inflamatórias contra as instituições brasileiras. Em seu último ataque, nesta terça-feira, ele declarou no X: “Os Estados Unidos continuam esperando que o Brasil controle seu descontrolado Juiz Moraes, da Suprema Corte, antes que ele destrua completamente o relacionamento que nossos grandes países desfrutam há mais de dois séculos. Em vez de qualquer tentativa de resolver a crise, o Brasil está permitindo que esse violador de direitos humanos sancionado intensifique seu abuso do processo judicial para perseguir uma agenda descaradamente política”.

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