Publicado originalmente em inglês em 13 de outubro de 2025
Os protestos que eclodiram em Lima na última sexta-feira após a destituição repentina da presidente não eleita do Peru, Dina Boluarte, rapidamente se transformaram em manifestações contra o Congresso que a destituiu e também contra seu substituto, José Jerí, presidente do Congresso.
Foram convocadas manifestações para domingo e quarta-feira com a exigência “que se vayan todos” (“que saiam todos”), dirigida tanto a Jerí quanto à maioria de direita que controla o Congresso.
Os parlamentares peruanos votaram pela destituição de Boluarte do cargo na madrugada de 10 de outubro, alegando “incapacidade moral permanente”. Dos 130 congressistas, 122 votaram a favor do impeachment, enquanto oito se abstiveram.
Boluarte teve a reputação de ter sido a presidente mais odiada da história do Peru. Ela deixou o cargo com um índice de rejeição de 93%, incluindo 0% de aprovação entre os jovens e no sul do Peru, conhecido como “Peru profundo”.
As acusações contra ela incluíam (1) não declarar itens de luxo em seus bens, (2) indiferença à crescente crise de insegurança dos cidadãos causada por máfias extorsionárias, (3) negligência no cumprimento de suas funções em momentos críticos devido a viagens ao exterior, (4) alegações de corrupção e (5) responsabilidade política pela morte de 49 manifestantes durante protestos ocorridos entre janeiro e março de 2023.
José Jerí assumiu a presidência do Peru apenas seis meses antes das eleições de 2026, marcando a terceira presidência no mandato de 2021-2026, após Pedro Castillo, o presidente populista eleito que foi derrubado em um golpe legislativo, e sua sucessora, Boluarte. Refletindo a crescente ingovernabilidade de um país que, segundo alguns estudos, é o quarto mais desigual do planeta, o Peru estabeleceu um recorde de oito presidentes em dez anos, com uma média de um ano e três meses — ou seja, 25% do mandato presidencial de cinco anos.
Jerí, membro do partido Somos Peru, assume o cargo enfrentando acusações de estupro e corrupção. Sua nomeação parece ter como objetivo controlar as próximas eleições e reprimir as greves e protestos em curso que ameaçam o poder dos grandes bancos, empresas de mineração e negócios.
A crescente luta de classes causou inquietação entre a burguesia, levando membros do Congresso de todos os partidos a sacrificar Boluarte em uma tentativa de reconquistar o apoio público daqueles que se opõem a ela.
Significativamente, a primeira ação oficial de Jerí como presidente foi reunir-se com os comandantes das forças armadas e da polícia do Peru. Supostamente convocada para organizar uma repressão à criminalidade nas ruas, a reunião ressaltou o papel das forças de segurança como árbitras finais da vida política, cruciais para fazer cumprir o programa antioperário da classe dominante peruana.
Os eventos recentes destacaram a crescente agitação no Peru, incluindo uma greve de duas semanas em setembro envolvendo 60 mil médicos, enfermeiros e técnicos da EsSalud, bem como treze greves de 24 horas dos sindicatos de transporte urbano em Lima e no porto de Callao.
Esses protestos no setor de transporte público, combinados com a greve da EsSalud e as chamadas marchas da “Geração Z”, têm causado preocupação entre a burguesia e os políticos corruptos entrincheirados no Congresso.
A burguesia teme que a continuação das greves e manifestações em grande escala possa ter consequências terríveis para seus interesses lucrativos. O sacrifício de Boluarte parece ter surtido algum efeito desejado, pelo menos na liderança dos sindicatos de transportes dominados pelos empregadores, que cancelaram a greve de 15 de outubro. No entanto, jovens da “Geração Z” afirmaram que continuariam com seus protestos.
Essencialmente, o poder permanece nas mãos de frações corruptas de direita que operam através do Congresso. Boluarte atuou principalmente como uma figura simbólica no poder executivo. Na realidade, o poder efetivo está nas mãos de dois partidos mafiosos ligados a atividades criminosas: o Fuerza Popular (FP), liderado por Keiko Fujimori, filha do falecido presidente Alberto Fujimori (no cargo de 28 de julho de 1990 a 22 de novembro de 2000), e Alianza Para el Progreso (APP), fundado por César Acuña, que fez fortuna com a privatização da educação, juntamente com seus partidos aliados, como Renovación Popular, Podemos, Peru Libre e Avanza País.
Os partidos de direita que apoiavam Boluarte no Congresso retiraram seu apoio com vistas às eleições de 2026.
A grande mídia sugeriu que um ataque armado durante um show da banda Agua Marina em Chorrillos, que feriu cinco pessoas, provocou o fim do governo de Boluarte, destacando sua incapacidade de gerenciar a crise. No entanto, essa visão simplifica demais o contexto mais amplo de greves e protestos generalizados de trabalhadores e jovens da “Geração Z”. Além disso, a votação quase unânime para destituí-la foi quase certamente coordenada com antecedência, com o tiroteio servindo apenas como um pretexto conveniente.
Outra versão diz que a destituição de Boluarte veio depois que 14 comandantes militares importantes foram substituídos, o que levantou suspeitas de uma tentativa de golpe. Ela vai ficar na memória por ter autorizado ações policiais e militares que causaram 49 mortes durante os protestos depois do golpe de 7 de dezembro de 2022, apoiado pela CIA, que tirou do poder o presidente eleito democraticamente, Pedro Castillo.
Um processo pode ser iniciado contra Boluarte, semelhante ao processo que resultou em uma sentença de 25 anos para Fujimori. Fujimori foi condenado por crimes contra a humanidade por ordenar massacres paramilitares, incluindo os incidentes de Barrios Altos e da Universidade La Cantuta, onde professores e estudantes foram mortos. Sete dos oito presidentes peruanos desde 1990 foram presos ou enfrentaram ordens de prisão.
O impeachment de Boluarte aprofunda a instabilidade institucional do Peru, com um novo presidente sob investigação e uma insatisfação pública generalizada em relação aos poderes executivo e legislativo. A demanda por justiça pela onda de assassinatos durante o governo de Boluarte continuará.
As lutas futuras colocarão o governo de coalizão narcocriminosa de José Jerí contra a classe trabalhadora, os camponeses e os jovens, além dos 9,4 milhões de peruanos que vivem na pobreza.
Os líderes sindicais também temem uma revolta da classe trabalhadora e provavelmente vão pressionar para que Jerí tenha um período de tolerância, o que permitiria que elementos corruptos consolidem sua influência no novo governo.
Por sua vez, Jerí parece decidido a seguir a chamada “solução Bukele”, imitando a repressão linha-dura do presidente de El Salvador. No sábado, ele se juntou a funcionários penitenciários em uma revista surpresa nas celas da prisão de Ancón 1, após a qual os detentos foram amontoados no chão com as mãos atrás da nuca, em uma aparente imitação de cenas semelhantes ocorridas na infame megaprisão CECOT, em El Salvador.
Somos Peru é um partido político de centro-direita fundado pelo falecido ex-prefeito de Lima, Alberto Andrade. Desde 2023, governa 7 dos 25 departamentos do Peru: Cajamarca, Cusco, Lambayeque, Loreto, Moquegua, Jerí e San Martín.
A crise da “democracia” no Peru não é exclusivamente nacional. Ela faz parte da mudança das elites bilionárias e das corporações globais em direção ao autoritarismo, à repressão interna e à preparação do governo do aspirante a Führer Donald Trump para declarar guerra à Rússia e à China.
A Constituição peruana de 1993, um documento extremamente reacionário que favorece a privatização e as empresas transnacionais, ao mesmo tempo em que destrói os direitos democráticos da classe trabalhadora, tem sido ignorada pelo atual Congresso, que vem aprovando leis que favorecem o crime organizado, as transnacionais de mineração, os bancos, o capital estrangeiro e os grupos empresariais agroexportadores.
José Jerí é uma criatura desse sistema e do Congresso popularmente odiado, dominado pela reação de direita, que liga a burguesia nacional a figuras lumpen e congressistas corruptos atrelados ao crime organizado. Não há a menor vontade nesse órgão de revogar as leis que promoveram a insegurança e a extorsão, e o reinado das organizações criminosas. Em outras palavras, a “guerra” ao crime anunciada pelo novo presidente interino é falsa e cínica.
O governo de José Jerí enfrenta uma oposição pública esmagadora, semelhante à de sua antecessora Boluarte. Apesar da disposição da direção sindical em declarar uma trégua, os protestos planejados desafiarão a autoridade do novo governo, uma vez que ele não representa as aspirações democráticas da maioria.
A burguesia nacional está apavorada com a possibilidade de que o programa conciliatório promovido pelos dirigentes sindicais leve a uma direção mais militante da classe trabalhadora. À medida que as greves continuavam a se intensificar, os trabalhadores começaram a levantar questões que poderiam comprometer o domínio da burguesia. Uma nova palavra de ordem surgiu nas marchas, exigindo a criação de comitês de defesa armada para proteger os bairros da classe trabalhadora das máfias de extorsão.
A rejeição de todos os partidos participantes das próximas eleições presidenciais, marcadas para abril de 2026, é um sinal positivo de que os trabalhadores, os camponeses e, especialmente, os jovens estão buscando um tipo diferente de direção. O programa proposto pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) está alinhado com as necessidades das massas oprimidas no Peru e internacionalmente, lutando:
- Pela independência política da classe trabalhadora — de todos os partidos burgueses e dos líderes corruptos dos sindicatos e seus satélites pseudoesquerdistas.
- Pela união da classe trabalhadora internacional — objetivamente, os trabalhadores de todo o mundo já estão unidos e colaborando dentro de cadeias de abastecimento que cruzam fronteiras nacionais e oceanos.
- Por um programa socialista para colocar todos os grandes bancos e corporações sob propriedade pública, sob um plano econômico dirigido pela classe trabalhadora, pondo fim à produção para o lucro, que é a raiz da desigualdade social, e priorizando as necessidades da classe trabalhadora e de toda a população.
Para implementar essas demandas, deve ser criada uma seção peruana do CIQI.