Na quarta-feira, o governo dos Estados Unidos enviou uma carta à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro parabenizando-a pelo bárbaro massacre policial de 117 civis cometido há uma semana.
“É com profundo pesar que expressamos nossas mais sinceras condolências pela trágica perda dos quatro policiais que tombaram no cumprimento do dever, durante a recente Operação Contenção no Complexo do Alemão”, diz a carta assinada pela Divisão Antidrogas (DEA) do governo de Donald Trump.
Essas palavras ecoam a declaração criminosa do governador fascistoide Cláudio Castro (Partido Liberal – PL) um dia após a operação policial mais mortal da história brasileira: “De vítima ontem, só tivemos os policiais”.
Os imperialistas de Washington encerraram seu tributo ao “trabalho incansável das forças de segurança do Estado” afirmando sua “disposição para qualquer apoio que se faça necessário”.
A carta, que confrontou provocativamente o governo federal de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), representa uma nova intervenção do imperialismo americano em assuntos internos brasileiros.
A defesa dos crimes bárbaros cometidos pelo governo Castro e seu aparato policial foi um desafio aberto de Trump à posição manifesta pelo presidente Lula, que, no dia anterior, criticara publicamente a operação policial assassina.
Em seu primeiro questionamento público do massacre, Lula declarou, na terça-feira, que “a decisão do juiz [autorizando a operação] era uma ordem de prisão. Não tinha uma ordem de matança e houve a matança”.
“As pessoas podem considerar um sucesso, mas, do ponto de vista da ação do estado, eu acho que ela foi desastrosa”, Lula concluiu.
Mais que uma provocação diplomática, a carta publicada na quarta-feira é um de vários indícios da participação direta de Washington na preparação do massacre no Rio de Janeiro e em sua instrumentalização por uma conspiração fascista em andamento no Brasil.
Na segunda-feira, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, protocolou um pedido de inquérito contra Cláudio Castro pelo vazamento de relatórios confidenciais brasileiros ao governo dos Estados Unidos.
A denúncia destaca que, em maio, Castro “realizou viagem oficial aos Estados Unidos onde promoveu reuniões com representantes da Drug Enforcement Administration (DEA)” e “anunciou publicamente a intenção de firmar acordo de cooperação... [com] a DEA, com objetivo de ‘fortalecer o combate ao tráfico e às facções criminosas’”.
No contexto da viagem de Castro aos EUA,
foi noticiado que o governador encaminhou relatório e pedido formal ao governo norte-americano para que o Comando Vermelho e outras facções fossem classificadas como “organizações narcoterroristas”, sob o argumento de que tais grupos ameaçam a segurança internacional
Castro e as autoridades policiais do Rio de Janeiro se referiram reiteradamente às vítimas da operação da semana passada como “narcoterroristas”. “Esta operação tem muito pouco a ver com segurança pública”, afirmou o governador, completando: “é uma guerra”.
A operação foi conduzida como um espetáculo político sangrento em meio a esforços da oposição política oficial brasileira – liderada pelo Partido Liberal de Castro e do ex-presidente Jair Bolsonaro – para aprovar um projeto de lei que amplia a definição de terrorismo de forma a abarcar organizações criminosas comuns como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (CPP).
O projeto é uma expansão da reacionária “Lei Antiterrorismo” aprovada em 2016 durante o governo petista de Dilma Rousseff. Ele foi apresentado ao Congresso em março e teve urgência aprovada em maio, no mesmo momento que Castro fez sua visita aos EUA.
Em 30 de outubro, dois dias após a operação policial, uma comitiva de governadores de extrema-direita viajou ao Rio de Janeiro com o propósito declarado de iniciar uma articulação interestadual de operações repressivas. Politicamente, a conferência dos governadores foi uma plataforma para defender a classificação do CV e PCC como organizações terroristas.
Essa campanha está sendo promovida em coordenação com forças políticas fascistoides não apenas no Brasil, mas através da América do Sul.
Em 28 e 30 de outubro, respectivamente, Argentina e Paraguai declararam o CV e o PCC como organizações terroristas internacionais. Os governos de ambos os países, que fazem fronteira com o Sul do Brasil, atuam como representantes da agenda geopolítica de Trump na região.
O governo do presidente fascista Javier Milei, em 20 outubro, assinou um “acordo antiterrorista” e um “convênio de formação” com o FBI, visando a subordinação integral do aparato de repressão do Estado argentino ao imperialismo americano.
O governo paraguaio, por sua vez, está mobilizando forças militares massivas na tríplice fronteira com Brasil e Argentina, onde o presidente Santiago Peña anunciou ter intenções de criar um “centro antiterrorista” com agentes treinados pelo FBI.
A redefinição legal de “terrorismo” no Brasil obedece à mesma agenda geopolítica infame da “Guerra ao Narcoterrorismo” que encobre uma escalada maciça da agressão imperialista dos EUA contra a América Latina.
A designação do governo de Nicolás Maduro como “narcoterrorista” foi o pretexto adotado por Trump para fomentar uma guerra por mudança de regime contra a Venezuela.
O maior porta-aviões dos Estados Unidos, o USS Gerald R. Ford, está navegando rumo ao Mar do Caribe, onde uma armada naval e 10 mil marinheiros e fuzileiros navais americanos já estão mobilizados. Ao mesmo tempo que explode diariamente embarcações civis no seu entorno, Trump fala abertamente em uma invasão militar da Venezuela e operações da CIA para “decapitar” Maduro.
Pode ser que os EUA não estejam prontos para invadir o Brasil com “caças F-35 e navios de guerra”, como sugeriu Eduardo Bolsonaro, ou bombardear barcos de pesca na Baía da Guanabara, como sugeriu seu irmão, Flávio Bolsonaro. Mas a histeria em torno do “narcoterrorismo” promovida pelos fascistas brasileiros prenuncia intervenções sem precedentes de Washington.
Essa narrativa busca instaurar um estado de “guerra” no país para justificar a abolição dos direitos democráticos e a normalização da violência testemunhada no recente massacre no Rio de Janeiro contra o conjunto da classe trabalhadora.
Através da campanha contra o “narcoterrorismo”, as mesmas forças que promoveram a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 estão continuando sua conspiração fascista e preparando ativamente seu segundo ato. A ofensiva ditatorial de Trump nos Estados Unidos é tanto seu exemplo político como sua base de apoio.
As graves implicações da recente intervenção de Washington sobre a situação no Rio de Janeiro ficam ainda mais claras ao se levar em conta a profunda crise do governo de Cláudio Castro, sob ameaça iminente de ser destituído.
Castro está sendo processado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por desviar R$ 500 milhões para a contratação de 45 mil funcionários irregulares durante as eleições de 2022 com o objetivo transparente de “comprar” sua reeleição. Na terça-feira, a ministra relatora Isabel Gallotti votou pela cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos de Castro seu vice, e Rodrigo Bacellar.
A pergunta que não quer calar é: qual será a reação de Trump diante da possível cassação de Castro?
Em agosto, Trump declarou uma emergência nacional contra o Brasil, impôs tarifas de 50% e sanções drásticas a autoridades brasileiras. As medidas foram justificadas com acusações de que o Brasil estava “abolindo a democracia” com o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (do mesmo partido de Castro), que foi condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado.
A eventual condenação de Castro será feita de pretexto para uma retomada agressiva da intervenção sobre a política brasileira na esteira das eleições presidenciais de 2026?
Os imensos perigos para a classe trabalhadora brasileira contidos na situação atual são exacerbados pela política criminosa promovida pelo governo Lula e o PT.
Em 26 de outubro, Lula se reuniu pela primeira vez com Donald Trump durante uma conferência na Malásia. O presidente brasileiro ofereceu sua colaboração na busca dos objetivos do imperialismo americano na Venezuela e rasgou elogios ao candidato a Führer da Casa Branca.
“Estou convencido de que em poucos dias teremos uma solução definitiva entre Estados Unidos e Brasil”, declarou Lula logo após a reunião. “Volto para o Brasil satisfeito e certo de que tudo vai dar certo para o povo brasileiro”, completou o presidente, que chegou de fato ao país momentos depois da chacina policial no Rio de Janeiro.
“Nem as tarifas e nem as provocações imperialistas cessaram com a reunião entre Lula e Trump no domingo”, o WSWS escreveu em um artigo denunciando os “esforços conscientes de Lula para desarmar a classe trabalhadora diante da crescente ameaça do fascismo e da agressão imperialista”.
É urgente que a classe trabalhadora rompa com o PT e seus apoiadores da pseudoesquerda e construa uma direção política independente para combater o imperialismo e o fascismo pelos métodos da revolução socialista internacional.
